Segundo o Parecer CNE/CEB Nº 17, aprovado em 03 de julho de 2001, dado pelos Relatores Kuno Paulo Rhoden e Sylvia Figueiredo Gouvêa, tratando das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e utilizando pela primeira vez a terminologias oriundas da Declaração de Salamanca, já ressignificadas, dizia:
5 – Organização do atendimento em escola especial
A educação escolar de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (*) e que requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, bem como ajudas e apoios intensos e contínuos e flexibilizações e adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não tenha conseguido prover – pode efetivar-se em escolas especiais, assegurando-se que o currículo escolar observe as diretrizes curriculares nacionais para as etapas e modalidades da Educação Básica e que os alunos recebam os apoios de que necessitam.
Temos aqui algumas questões resolvidas claramente:
1- alunos que requeiram "atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, bem como ajudas e apoios intensos e contínuos e flexibilizações e adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não tenha conseguido prover", são alunos que não apresentam tais características, logo a escola comum deverá ter conseguido prover as condições adequadas para o desenvolvimento das "atividades da vida autônoma e social" sem "ajudas e apoios intensos e contínuos, flexibilizações e adaptações curriculares" para que os alunos se desenvolvam na escola;
2- se o ensino pode ser realizado em escolar especiais, ele não é substitutivo ao da escola comum. Trata-se de uma alternativa: numa escola ou na outra. Mas, tanto a escola comum como a escola especial devem assegurar "que o currículo escolar observe as diretrizes curriculares nacionais para as etapas e modalidades da Educação Básica e que os alunos recebam os apoios de que necessitam.
É importante que esse atendimento, sempre que necessário, seja complementado por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social.Os alunos da educação básica que apresentam deficiência, não raro, podem necessitar de atendimentos de outras pastas da gestão pública como a Saúde para a realização de atendimentos terapêuticos como: fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia, psicomotricidade e psicopedagogia, além dos atendimentos especializados em neurologia, psiquiatria, odontologia, genética, fisiatria, ortopedia; Trabalho para a formação profissional adequada para o nível de desenvolvimento de cada um e a orientação das vagas de emprego oriundas políticas de ações afirmativas disponíveis no mercado; e Assistência Social para a indicação das políticas públicas Bolsa Família, BPC na Escola, BPC no Trabalho a que fazem jus os alunos com deficiências. Tais políticas quando voltadas para o aluno matriculado nas escolas da Educação Básica devem ser articuladas com a pasta da Educação, criando-se assim as políticas de interfaces que evitarão a multiplicação de esforços, o desperdício de verba pública e a negligência nesta área tão complexa.
A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno, a equipe pedagógica da escola especial e a família devem decidir conjuntamente quanto à transferência do aluno para escola da rede regular de ensino, com base em avaliação pedagógica e na indicação, por parte do setor responsável pela educação especial do sistema de ensino, de escolas regulares em condições de realizar seu atendimento educacional.O Parecer retrata bem a metodologia de encaminhamento do aluno da escola especial para a escola regular: escola e família devem decidir juntas, mediante avaliação pedagógica e indicação do setor de educação especial do sistema de ensino. A matrícula está garantida e o encaminhamento dos alunos do ensino regular para a educação de jovens e adultos também.
Para uma educação escolar de qualidade nas escolas especiais, é fundamental prover e promover em sua organização: I. matrícula e atendimento educacional especializado nas etapas e modalidades da Educação Básica previstas em lei e no seu regimento escolar; II. encaminhamento de alunos para a educação regular, inclusive para a educação de jovens e adultos;Contudo, as
III. parcerias com escolas das redes regulares públicas ou privadas de educação profissional; IV. conclusão e certificação de educação escolar, incluindo terminalidade específica, para alunos com deficiência mental e múltipla;ainda não estão garantidas. Desde 1996, quando da publicação da LDB, ou desde 2001, quando da publicação do Parecer Nº 17, ainda há Redes de Ensino que passados 22 e 17 anos, respectivamente, ainda não oferecem atendimento adequado aos alunos com deficiência matriculados na Educação Básica. Tal descaso provoca as distorções observadas como alunos matriculados no ensino fundamental fora da idade, quando o limite máximo é de 17 anos, e alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos sem aproveitamento escolar real e sem previsão de conclusão de curso. Tal equívoco impede que alunos com deficiência intelectual ou múltipla possam frequentar cursos de formação profissional oriundos de políticas como o PRONATEC do Sistema S.
É inconcebível que ainda haja Redes de Ensino no Brasil que ainda não se organizaram em relação à Educação Especial, para cumprir a legislação porque é nela que estão os direitos dos alunos brasileiros. É no Parecer Nº 17 que está a compreensão de que alunos com deficiência intelectual ou múltipla podem concluir o ensino fundamental com: "atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, bem como ajudas e apoios intensos e contínuos e flexibilizações e adaptações curriculares".
Para que tudo isso ocorra são necessários professores especializados e equipe técnica de apoio preparada para o trabalho pedagógico em Educação Especial.
V. professores especializados e equipe técnica de apoio; VI. flexibilização e adaptação do currículo previsto na LDBEN, nos Referenciais e nos Parâmetros Curriculares Nacionais.Pela data de sua publicação 2001, o Parecer Nº 17 se refere aos PCNs da LDB de 1996. Mas em 2018 estão em vigor a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) aprovada na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. A do Ensino Médio e do Ensino Médio Técnico ainda está em discussão.
Para finalizar o item 5 do Parecer Nº 17, relativo à Organização do Atendimento em Escola Especial, temos um ponto polêmico: tudo isso se refere apenas às escolas públicas, ou as escolas particulares também são alvo da política de inclusão. Tudo indica que o Parecer não deixa dúvida.
As escolas especiais públicas e privadas obedecem às mesmas exigências na criação e no funcionamento: a) são iguais nas finalidades, embora diferentes na ordem administrativa e na origem dos recursos; b) necessitam de credenciamento e/ou autorização para o seu funcionamento.E quem regulamenta e supervisiona esse funcionamento são os Conselhos Estaduais de Educação que devem legislar sobre a matéria.
As escolas da rede privada, sem fins lucrativos, que necessitam pleitear apoio técnico e financeiro dos órgãos governamentais devem credenciar-se para tal; as escolas da rede privada, com fins lucrativos, assim como as anteriormente citadas, devem ter o acompanhamento e a avaliação do órgão gestor e cumprir as determinações dos Conselhos de Educação similares às previstas para as demais escolas. No âmbito dos sistemas de ensino, cabe aos Conselhos de Educação legislar sobre a matéria, observadas as normas e diretrizes nacionais.A seguir vou tratar da TERMINALIDADE ESPECÍFICA.
8 – Terminalidade específicaCurioso saber que todas as legislações decorrentes da LDB fazem referência à Terminalidade Específica para um tipo determinado de aluno, aqueles que apresentam deficiência
associadas a grave deficiência mental ou múltipla, a necessidade de apoios e ajudas intensos e contínuos, bem como de adaptações curriculares significativas, não deve significar uma escolarização sem horizonte definido, seja em termos de tempo ou em termos de competências e habilidades desenvolvidas.O texto do Parecerista não deixa dúvida quanto ao cuidado com a escolarização de alunos com deficiência intelectual ou múltipla deve ter. Todos os esforços deverão ser feitos pelas escolas para que as competências e habilidades de cada aluno possam ser desenvolvidas, num tempo definido.
As escolas, portanto, devem adotar procedimentos de avaliação pedagógica, certificação e encaminhamento para alternativas educacionais que concorram para ampliar as possibilidades de inclusão social e produtiva dessa pessoa.
Certificação. Alunos com deficiência intelectual ou múltiplas têm direito à certificação.
Quando os alunos com necessidades educacionais especiais, ainda que com os apoios e adaptações necessários, não alcançarem os resultados de escolarização previstos no Artigo 32, I da LDBEN: “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” – e uma vez esgotadas as possibilidades apontadas nos Artigos 24, 26 e 32 da LDBEN – as escolas devem fornecer-lhes uma certificação de conclusão de escolaridade, denominada terminalidade específica.Terminalidade Específica é o nome da certificação que alunos com deficiência intelectual ou múltiplas fazem jus.
Terminalidade específica é uma certificação de conclusão de escolaridade – fundamentada em avaliação pedagógica – com histórico escolar que apresente, de forma descritiva, as habilidades e competências atingidas pelos educandos com grave deficiência mental ou múltipla. É o caso dos alunos cujas necessidades educacionais especiais não lhes possibilitaram alcançar o nível de conhecimento exigido para a conclusão do ensino fundamental, respeitada a legislação existente, e de acordo com o regimento e o projeto pedagógico da escola.Por que a certificação de ensino fundamental é importante? Porque o ensino fundamental é o nível de ensino pré-requisito para que qualquer aluno tenha acesso a qualquer curso de formação profissional técnico ou ao ensino médio. Em se tratando de alunos com deficiência intelectual ou múltiplas mais importante ainda é que a Terminalidade Específica seja oferecida porque trata-se de uma formação de empoderamento e de acesso às políticas públicas de criação de vagas de trabalho para pessoas com deficiência.
O teor da referida certificação de escolaridade deve possibilitar novas alternativas educacionais, tais como o encaminhamento para cursos de educação de jovens e adultos e de educação profissional, bem como a inserção no mundo do trabalho, seja ele competitivo ou protegido.Sim, porque pessoas com deficiência intelectual ou múltipla têm direito ao mundo do trabalho. Finalmente, o grande desafio: a definição da idade-limite para a conclusão do ensino fundamental.
Cabe aos respectivos sistemas de ensino normatizar sobre a idade-limite para a conclusão do ensino fundamental.A LDB define que a idade-limite para a conclusão do ensino fundamental é de 17 anos. Para o aluno com deficiência intelectual ou múltipla deve-se dar pelo menos dois anos a mais para que todas as oportunidades possam ser vivenciadas. Contudo, não é recomendável que a idade-limite ultrapasse demasiadamente esta idade porque a função da escola é a escolarização e não a recreação ou a convivência social, apenas, ou ainda a hotelaria. A permanência na escola sem uma idade-limite para a finalização do ensino fundamental cria uma nova situação que não está prevista na legislação:
PARA SEMPRE NA ESCOLA.
“Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”Segundo a LDB, os alunos devem realizar a Educação Básica entre os 4 e os 17 anos de idade. Com deficiência intelectual ou múltiplas seria diferente? Estudo neurocientíficos têm mostrado a importância dos períodos críticos para o desenvolvimento da cognição na infância e na juventude. Hoje, sabemos que na infância, o número de neurônios passa por um ajuste, a chamada "poda neural" e o aumento do número de sinapses que favorecem a realização de aprendizagem de informações novas. Na adolescência, as sinapses passam por novo refinamento: as sinapses ineficientes são eliminadas e ocorre o aumento da mielinização. A consequência é que o índice de aprendizagem de novos dados diminui e a capacidade e utilizar e elaborar o que foi aprendido se amplia.
As crianças com deficiência intelectual e múltiplas são profundamente afetadas pela estrutura de seus cérebros. Malformações congênitas, atrofia cerebral, hipoplasia, microcefalia, calcificações cerebrais, menor peso cerebral, encolhimento do córtex, são algumas causas apontadas para a deficiência intelectual e múltipla. Se há constatação por meio de exames eletroencefalográficos; cintilografia cerebral; angiografia, espectroscopia, perfusão por ressonância magnética, ultrassonografia; ressonância magnética funcional; tomografia computadorizada; angiografia por tomografia computadorizada; tomografia por emissão de prótons; entre outros, de que o cérebro da criança está comprometido ou é malformado desde o nascimento, então deve-se buscar decidir sobre a permanência da criança, adolescente ou adulto na escola em função do conforto psíquico que possam apresentar.
Exigir que a criança permaneça na escola em tempo parcial ou integral com professores que não conhecem técnicas de acolhimento, de consolo, de comunicação ampliada e alternativa, de métodos de convivência social, em ambientes escolares empobrecidos me parece mais perverso e desumano do que educativo ou protetivo, uma vez que sem massa encefálica em condições mínimas de funcionamento não existe a probabilidade de prolongamento do período de maior plasticidade cerebral.
Uma visão humanista da educação e do desenvolvimento com base nos direitos humanos e na dignidade; na justiça social; na inclusão; na proteção; na diversidade cultural, linguística e étnica; e na responsabilidade deve se preocupar com o bem estar da criança, do jovem e do adulto com deficiência intelectual ou múltiplas na escola. Sem bullying, com cuidados de higiene, vestuário, alimentação e locomoção, são condições básicas para o entendimento de que "a educação é um bem público, um direito humano fundamental e a base que garante a efetivação de outros direitos".
Assim sendo, que a pessoa com deficiência intelectual ou múltiplas não se torne mercadoria para ninguém. Que ela não seja deixada na escola sem as terapias de que necessita para o alongamento e a sustentação muscular, a fala, para a utilização das mãos, para a comunicação. Que a criança autista não seja esquecida na escola. Que a sua inaptidão para as relações interpessoais não a torne definitivamente invisível na escola. Que a escola seja ressignificada e ponto de partida para a consciência social a respeito dos direitos dos alunos com deficiência intelectual, múltiplas ou autismo na escola. Que a escola cumpra o seu papel educacional e não se transforme em clube ou asilo substituindo os pais, a família ou os responsáveis pelas pessoas com deficiência intelectual ou múltiplas e autismo. Que os setores responsáveis pelas políticas da saúde, assistência e cultura também cumpram com o seu papel político, transformador da sociedade.
(*)1 - NOTA DA AUTORA: necessidades educacionais especiais é uma expressão que foi substituída definitivamente por deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação)